A morte enquanto tabu. Bom para quem?

Foto: DDP - Unsplash

A morte é a única certeza com a qual todos nós nascemos. No momento em que saímos do ventre de nossa mãe, a partir do primeiro suspiro, começamos, ainda que lentamente, nosso processo mortal. Nossas células, ao receberem oxigênio e emitirem gás carbônico, iniciam sua própria deterioração. A jornada da vida começa, portanto, com todos nós morrendo, dia após dia.

Ao invés de naturalizarmos toda essa situação, nossa sociedade optou por demonizá-la. Somos ensinados desde muito cedo a termos medo, a evitarmos o assunto, a criarmos uma esfera, ainda que subconsciente, de proteção.

O que venho dizer aqui, nesta coluna, é um tanto quanto óbvio. A ideia de fuga é simplesmente boçal, além de ineficiente ao extremo. Explico. Ao buscarmos escapatórias para não encararmos a morte, não nos preparamos para a mesma. Ficamos vulneráveis diante da jornada do consumo funerário. Somado ao estado de absoluto abalo emocional, o consumidor enlutado é obrigado a encarar/ participar de cerca de 96 decisões até findar todo o processo (Fonte: SINCEP/2018), quando decisor das escolhas que irão compor o funeral de um ente querido muito próximo. Não bastasse carregar a dor da perda, essa mesma pessoa será julgada por suas escolhas dentro da família e, jamais irá se perdoar, caso não faça tudo o que estiver ao seu alcance a fim de oferecer dignidade para àquele que já se foi. Ninguém quer oferecer a urna mais barata para a própria mãe, por exemplo.

A pandemia trouxe também outras situações extremamente injustas e desagradáveis. Apontar o dedo para os profissionais do setor funerário, acusando-os de estar lucrando demasiadamente com a dor alheia, diante da quantidade infindável de mortos, é uma falta de respeito sem tamanho.

Quando foi que você viu alguém encher a boca para dizer que tem orgulho de ser coveiro?

Mal pagos e treinados, são verdadeiros sobreviventes de um ambiente inóspito e triste. Alguns enlutados, não conformados com a perda, assíduos por colocar a raiva para fora, chegam a ir para cima de coveiros durante o funeral, reagindo de forma desmedida a qualquer erro cometido.

Já imaginaram o estresse, o nervoso?

Lhes pergunto: cadê o respeito para com àqueles que dedicam a vida para dar dignidade a nossos falecidos, entes queridos?

Conseguem imaginar que, apesar do salário de fome, são seres humanos com sonhos, que querem prosperar e não veem perspectiva de crescimento na carreira? No mais, é válido ressaltar que estes também exercem outros papéis em seus círculos sociais: são pais, filhos, irmãos, maridos, amigos de outras pessoas.

Profissionais médicos vem sendo açoitados por (pasmem!) até mesmo familiares, quando insistem nas medidas de prevenção.

A situação do luto dentro do ambiente hospitalar se agravou.

O médico, em grande parte dos hospitais lotados, é obrigado a fazer escolhas sobre quem, por exemplo, receberá o privilégio de ter acesso a um respirador na UTI ou não. É sentenciar quem vive e quem morre. Ele fez um juramento pela vida. Percebem o desastre?

Quantos potenciais suicidas estão na linha de frente do combate a COVID, graças a irresponsabilidade e inconsequência da população e do governo?

Até quando suportaremos negacionistas a nossa volta?

O porquê não reagimos?

Seria o brasileiro egoísta demais para manter-se inerte e letárgico diante do caos e da injustiça?

Faltou de fato uma guerra em nossa história para que fôssemos um povo mais unido e valente?

E agora José? Quem será por nós?

É Titanic que chama? Músicos ao violino, enquanto o navio afunda e não existem, sequer, botes salva-vidas para todos em meio a um oceano escuro e gelado?

Assistiremos a barbárie cometida contra o povo que prefere morrer de COVID, à morrer de fome, de braços cruzados?

Se você que está lendo este texto, crê que isso não impacta sua vida, tenho péssimas notícias. Impacta e muito. A desigualdade social faz surgir a pior faceta em todas as pessoas, de todas as classes sociais: a crueldade desmedida, o lado instintivo e animal que todos carregamos dentro de nós mesmos, mais especificamente no nosso inconsciente.

Atirar no rosto de um adolescente, após ele já ter entregado o celular, será algo normatizado. Elegemos lideranças que apoiam o armamento da população.

O pobre, que perdeu a única fonte de sustento para o lockdown, na pandemia, que está no desespero pôr colocar comida na mesa para seus filhos, e vê no assalto a última alternativa, poderá agir por vingança diante de alguém melhor vestido e, aparentemente, mais bem colocado do ponto de vista socioeconômico, quanto simplesmente se assustar por qualquer motivo banal e disparar sem pensar.

Estas e outras situações similares são a resposta ao que estamos vivendo, fruto das escolhas da sociedade pela injustiça e desigualdade.

Cuidado! Amanhã pode ser o seu filho. Repense, reparta, compartilhe, ajude. Pode ser uma lata de leite em pó. Não pense duas vezes!

Não. Isso aqui não é uma ode ao socialismo e sim um aviso, um grito!

Ensine a pescar, fuja do assistencialismo barato e invista tempo ensinando o empreendedorismo, novas formas de comercialização, saídas dignas para pessoas que buscam recolocação e que tem boa vontade.

É clichê até demais a frase, mas concluo essa reflexão certa da adequação para o momento:

“Seja a mudança que você quer ver no mundo!”

Atenciosamente,

Lígia Prada Santos.

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