O dia em que eu conheci o mar

Livro as poças de água que, inevitavelmente, respingam nas pernas. É assim o caminho em dia de chuva para entrar no Trapichão. No dias quentes, os meus preferidos, o sol a pino deixa as bandeiras mais reluzentes, parecem até furta-cor e os tons se alteram conforme a luz. O que parece não mudar? A expectativa do que passar pela catraca descortina. Nenhuma partida é igual a outra.

É sempre assim, desde os 12 anos, a primeira vez que fui a um estádio de futebol. Não lembro o jogo, o placar, os detalhes da partida. Lembro do gol. A maior euforia do mundo parece caber em poucos segundos, em tão poucas cores, em tantos desconhecidos. É como se a gente fosse capaz de dar mais um pouco do tempo de vida para que cada grito durasse mais.

Alguns anos antes, em 1994, o cenário era outro. Olhando pra trás, parece até tão previsível que o Romário, o rei (com a licença do Camisa 10) da pequena área, fazendo gol no ar, como quem flutua e tirando a bola pra dançar, e seu companheiro Bebeto, comemorando o gol como quem embala o filho recém-nascido, fossem, na metáfora do absurdo, me apresentar o mar, enfim. A partir dali, descobri um companheiro que se retroalimenta: quem vive a paixão do futebol parece nunca sentir fome.

Para mim, futebol nunca foi pouca coisa. E até hoje não é. Sempre me salvou e me ensinou a perder, ainda que pareça banal. A arquibancada molda caráter, sempre digo. Sempre recorro a essa frase feita, mal acabada, mas sensacional.

Aprendi mais com um estádio lotado, porém em silêncio, ou embaixo de chuva esperando o gol que não chega, perdendo uma final de campeonato, um jogo importante, a bola rindo de mim, vendo meu time rebaixado – e até na TV com o real ou os metafóricos 7×1… Aprendi muito mais assim que com uma maiúscula vitória. A felicidade é deliciosa, mas é excludente: só ensina a comemorar.

É sempre bom lembrar que futebol não se compara a nada. Não é maior ou menor que nada, é futebol. E se você chegou até aqui na leitura, posso te dizer: isso basta.

Quando pensamos com o coração, as coisas parecem soar mais reais. E quando escrevo esse texto pareço pensar assim, por isso, posso até sentir um vento que vem do mar da Pajuçara – e até da Barra de São Miguel se você quiser. Ah, não deve ser por acaso.

Fernanda Lins
É apaixonada por futebol todo dia e jornalista nas horas vagas 
No Twitter: @fernandalins_