E se for para sempre?

Juramos muitas coisas para a vida toda. Amor, casamento, família, amigos, queremos que nenhum deles tenha fim. Desejamos que dure para sempre. Mas o que é durar por tanto tempo?  O futuro que imaginamos é pleno e contínuo, sem mudanças. As mudanças que estamos dispostos a fazer são para alterar o presente de modo a gerar um futuro repleto de paz. O nosso objetivo é conquistar um futuro tranquilo. Sempre olhamos para o futuro como algo que almejamos, como um prêmio, um tempo quando poderemos descansar.

Quem entre nós já desenhou um futuro repleto de transformações? Uma vida onde a cada momento estamos num lugar diferente, uma história onde podemos mudar o roteiro livremente a hora que quisermos? A transformação intensa e constante tem tudo a ver com o presente que vivemos, mas não com o futuro que sonhamos. Para os anos que estão por vir, sempre desejamos muita tranquilidade.

Imagine que viveremos pelo menos até os 100 anos de idade. Isto não é um sonho, nem um futuro distante. A ciência estatística, baseada nos índices de expectativa de vida, mostra que há uma geração que tem hoje entre 40 e 50 anos de idade e que provavelmente viverá até os 105 anos.

São 105 anos para brincar, ler, assistir aos filmes que deseja, encontrar-se com os amigos, escolher uma carreira, namorar, casar, trabalhar, viver. 105 anos é muita coisa. 105 anos é um pouco mais que um século.

Contudo, mesmo diante da expectativa de vivermos por um século inteiro, ainda pensamos muita coisa para a vida toda, como o amor, casório, carreira. Mas afinal, o que é durar por toda a vida?

Até a geração dos nossos avós, durar a vida inteira era sobreviver por uns 65 anos, tendo como base a população brasileira. Na realidade era viver por uns 50 anos, porque chegávamos na maturidade com menos desempenho, a saúde comprometida e pedras de cansaço nas costas.

Chegávamos ao fim da jornada com uma única vida, um ou dois casórios oficiais, uma única carreira. Era uma única chance para acertar. Uma única vida para viver. E junto com o horror de todos para quem no meio do caminho falasse em mudar. Mudar de carreira aos 40 anos de idade? Loucura. Outro casamento aos 50 anos? Perversão. Imprudentes eram os que não lutavam pela manutenção e continuidade.

Foto: Rutger Geleijnse / Unsplash

Temos o desafio de escrever a nossa história por mais de um século, mas não somos disruptivos, nem amigos da mudança. Somos amantes da estabilidade e por isso, somos conservadores. Viver é transformar. Mas estamos confortavelmente deitados no berço esplêndido da rotina, mantendo o mesmo roteiro dia após dia. E ainda batemos no peito com orgulho dizendo “sou assim mesmo e não mudo”.

O que é viver durante um século? Um século é tempo suficiente para muitas e muitas mudanças. Uma rápida revisão do que mudou nos últimos 100 anos, de 1918 até hoje, 2018, mal damos conta. Descobrimos as viagens de avião. Enfrentamos uma grande guerra mundial. Vimos o mundo dividido em capitalismo e comunismo. Começamos na TV preto e branco e agora estamos na Netflix. Inventamos a pílula anticoncepcional e com ela o poder da mulher sobre deus e sobre a biologia. Já compramos um vídeo cassete e hoje filmamos, editamos e enviamos nossos vídeos pelo celular. Conversamos por um telefone fixo, agora transamos via Skype. A família reunida ouvia os discos que tocavam em 78 rotações no gramofone, atualmente cada um tem sua própria lista individual no Spotify. Tivemos retratos espelhados pela casa, hoje eles estão guardados na nuvem. Fizemos curso de datilografia, agora teclamos com um dedo na palma da mão.

Se temos 100 anos para viver, significa que podemos ter, no mínimo, cinco grandes mudanças, cada etapa com duração de 20 anos, o que já é muito tempo.

Podemos ter vários amores, diferentes casórios, diferentes carreiras. Começar e recomeçar sempre. Haja recheio para 100 anos de vida!

Falamos muito sobre envelhecer com qualidade, defendemos a inclusão dos maduros, lutamos por uma vida ativa na idade avançada, celebramos a longevidade. Mas não sabemos o que fazer com tantos anos de vida. Repetir o mesmo roteiro por anos não é viver, é envelhecer. É urgente entendermos o que é envelhecer e viver num mundo de longevidade. Tudo envelhece. É uma ordem da física que ainda pouco sabemos sobre seus mistérios. Com o passar do tempo até o mais resistente corpo fraqueja. A maciez da pele dá lugar para as marcas da experiência. O organismo avisa que os limites são mais estreitos. Negar as consequências do envelhecimento é dar as costas para a magia da natureza. Afinal, o corpo também se transforma nos avisando que mudar é preciso.

A longevidade tem um outro lugar que não é o da juventude prolongada, muito menos da aparência física de uma adolescência sem fim. A longevidade nos presenteia com mais anos, com mais tempo, são páginas em branco adicionadas ao nosso diário íntimo. Com a longevidade, o filme da nossa vida ganha mais temporadas distribuídas em diferentes episódios. Mais que isto, a longevidade dá para nós o poder de escrevermos com criatividade o roteiro da nossa vida. Abre-se a possibilidade de termos várias histórias.

Imagine se na série de TV que você mais gosta, os personagens tivessem o mesmo enredo ao longo de 8 temporadas. Seria muito entediante. Pois bem, escreva a sua história na longevidade com surpresas, mudanças e viradas a cada episódio. Uma série eletrizante com 10 episódios surpreendentes em cada uma das 15 temporadas. Isto sim é envelhecer. É preciso não envelhecermos para o hoje, muito menos para o amanhã. É preciso envelhecermos escrevendo continuamente novos roteiros transformadores para a nossa vida.

Por Fábio Mariano Borges
Fábio é publicitário e sociólogo especialista em comportamento