Moda e intuição

O fraco treme diante da opinião pública, o louco afronta-a, o sábio julga-a, o homem hábil dirige-a.”

-Roland Barthes

O que é uma roupa bonita? Ou melhor, o que é uma roupa bonita para você?

A moda, atualmente, é percebida como um sistema que domina e dita as formas de vestir da população, de acordo com certas pessoas e empresas que se colocam como autoridades no assunto. Muitos, embora se declarem vanguardistas, ainda se apegam a ideias tardias do que é esteticamente plausível e o que não é. Criam tendências, modismos e o ditado do que deve ou não estar nas vitrines e nos closets ao redor do mundo.

Moda é diferente de história, por exemplo, no sentido de que não é apenas algo prático e teórico. Moda é uma estética que se forma no subconsciente do indivíduo. Moda é, sobretudo, intuição. Muito além de todas as pesquisas, artigos, coolhunters, trend-setters, influenciadores digitais…, moda é algo pessoal e único. Todos têm o potencial de explorar a autoexpressão através dela, mas é preciso ter coragem para ser autêntico.

Obviamente, um estudo vigoroso é fundamental para as pessoas que desejam se inserir no meio, porém, além de dedicação é necessária uma mente reflexiva e que não se ocupe apenas de certos gabaritos do que combina ou não, do que é certo ou errado etc. Moda requer um pensamento analítico acerca do indivíduo, da cultura e da sociedade.

Uma tendência é um artigo de moda que surge em um grupo social específico e devido sua tensão com a tendência atual, ganha força por ser nova e consequentemente se desenvolve e se espalha por outros grupos, assim, alcançando o consumo em massa. Por mais que existam pessoas especialistas em pesquisa desse naipe, as mais experientes muitas vezes acabam sendo ofuscadas, pois quando publicam um texto sobre uma nova tendência, vê-se que mesmo sendo rapidamente disseminado por inúmeras mídias, ignora-se a pesquisa teórica que lhe deu suporte. Isso faz com que a tão estudada tendência fique reduzida a apenas um modismo. E, neste caso, a maioria da população que a ela adere não demonstra qualquer noção acerca do que veste e nem do porquê a está vestindo. 

Revistas de moda eram um meio de comunicação que buscavam passar informações relevantes sobre moda, cultura e arte e, ocasionalmente, política. Mais recentemente, principalmente entre as décadas de 1980 e 2000, a maioria das revistas influentes se tornaram catálogos capitalistas, onde as informações de moda passaram a ser imperativas no sentido de promover o produto da marca patrocinadora como a mais nova tendência. Com isso, praticamente deixou de existir o estímulo à reflexão dos motivos que levaram determinada peça a estar em evidência em dada estação.

Em contra partida, surgiram revistas como I-D Magazine, Dazed Magazine, AnOther Magazine, Paper Magazine com uma abordagem diferente e explorativa em relação a moda, e hoje em dia milhares de revistas independentes ao redor do mundo buscam transportar importantes e relevantes mensagens sobre alguns assuntos específicos, incluindo moda.

Acredito que a década de 2010 serviu para darmos início a tais discussões e muitas iniciativas reais ligadas à moda surgiram, como a Fashion Revolution, Rio Ethical Fashion, Brasil Eco Fashion, Sustainable Fashion Forum, Fashion for Good, Projeto Estufa e tantos outros movimentos, que devem crescer muito mais nesta década, surgindo com diferentes abordagens, visão de que a moda pode e deve ser política, seja sobre a sustentabilidade ambiental ou a inclusão na indústria como um todo.

Mas afinal, como usar minha intuição em minhas roupas? 

Arrisco dizer que a maioria das pessoas tem uma intuição no momento de se vestir, porém, muitos anulam-na por causa de tabus, regras e expectativas da sociedade. Alguns homens deixam de vestir o que têm vontade por medo dos requisitos de gênero, algumas mulheres não usam sua cor preferida por não estar na moda atualmente, muitas pessoas têm medo de misturar estampas que as fazem sentir-se bem por medo de serem taxadas como brega, outras deixam de usar suas roupas preferidas por seu corpo não estar 100% em forma naquele momento e tudo isso é algo que  leva tempo para se desconstruir.

E se passássemos a enxergar a moda através de uma lente intelectual? Não no sentido de elitizá-la, mas no sentido de incentivar a busca de conhecimento através dela? Por exemplo: quando se lê um romance que fala sobre espiritualidade e isso influencia a se aprofundar no assunto, quando se descobre aptidão em uma profissão através de um raso conhecimento sobre, ou quando se percebe a paixão por arte, apenas por contemplar alguma performance, do mesmo jeito, acredito que a moda tem o potencial de se tornar, ainda mais, um veículo de cultura e conhecimento. 

A título de ilustração, o desfile Primavera/Verão 2010 Alexander McQueen trouxe uma reflexão sobre o futuro tecnológico e estético através de roupas. Atualmente, a estilista Iris Van Herpen cria suas peças através de um processo que une física e impressão 3D, que resultam em algumas semelhanças à coleção de McQueen.

O vestido Lagosta de Elsa Schiaparelli, criado em parceria com Salvador Dali, torna-se uma porta de entrada ao surrealismo através da moda. O conceito apresentado pela estilista provoca uma reflexão e logo um interesse na história e nos motivos de tal produto, o que pode levar o leitor a conhecer o movimento.

Um desfile da Flávia Aranha se torna um portal de conexão entre moda e natureza, que leva o espectador a entrar no mundo da estilista e perceber o quanto o natural e o sustentável ambientalmente fazem parte da cadeia de produção de produtos e como também fazem parte da história dos humanos. Tantos métodos delicados e artesanais, que vinham evoluindo há milhares de anos, mas acabaram sendo trocados por máquinas e costureiros semiescravos.

Para alguns um hobby, mas para outros um estilo de vida e pensamento, a moda traz em si diversas referências históricas que permitem estudos sociológicos, psicológicos, éticos, filosóficos e econômicos da sociedade e do indivíduo, com isso permitindo contribuições teóricas, estéticas e até pessoais para a humanidade. 

Vestir é uma forte forma de se construir um significado, constitui uma relação intelectual entre quem veste e a sociedade. Liberando sua intuição, você acena para o mundo da moda com autenticidade.

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